sábado, 27 de setembro de 2008

É a hora de Joe Farnsworth

Joe Farnsworth é um dos bateristas mais requisitados para sessões de gravação de jazz atualmente. Preferido por músicos da velha e da atual geração jazzística, Farnsworth já gravou diversos álbuns como sideman, mas em 2004, a gravadora 441 lançou It’s Prime Time, seu segundo CD como líder. Reunindo velhos parceiros, o baterista conseguiu juntar músicos lendários como Ron Carter, Benny Golson e Harold Mabern com grandes nomes do jazz atual como Eric Alexander e David Hazeltine. A precisão e o apurado senso rítmico chamam a atenção para o estilo de Farnsworth, um conceituado jazzista do século XXI que merece mais atenção por parte dos fãs desse tipo de música.

A primeira faixa do álbum, “Sweet Poppa” abre com Joe Farnsworth puxando o ritmo da canção para a entrada de Harold Mabern ao piano, Ron Carter no baixo e Eric Alexander no sax tenor, que conduz a melodia com sua habitual elegância executando fraseados rápidos e segurando a nota principal, alongando o seu tempo. Destaque para o solo de Mabern muito bem apoiado pela precisão da dupla Farnsworth e Carter. Uma bela demonstração de como tocar um hard bop sem soar datado.

“Old Folks” começa como uma balada introduzida por David Hazeltine ao piano, seguido por Curtis Fuller no trombone, que dá a direção da melodia, enquanto Farnsworth dita o ritmo com suas vassourinhas na caixa, ao lado do sempre preciso Carter, que também encontra espaço para solar. Nesse momento o trio piano-baixo-bateria faz um excelente trabalho, quando Carter passa o solo para Hazeltine e Farnsworth dita o ritmo com o pedal. O que era uma balada inicialmente já ganha aspecto de hard bop com um balanço gostoso. Fuller, por fim, retoma o clima inicial e encerra a canção com um solo introspectivo.

O trio Farnsworth, Carter e Hazeltine abrem a canção com um ritmo swingado e contagiante, que ganha ainda mais qualidade com a adição do trompetista Jim Rotondi, que tocando com lacunas se comunica muito bem com a seção rítmica. Alexander incorpora mais força à melodia e ao mote central da canção. A condução de Farnsworth é exemplar, porque consegue um balanço envolvente. Em sua única composição para o álbum, o baterista ganha destaque amplo, mesmo que apenas na condução, pois nada foi “inventado” para que o seu instrumento se sobressaísse perante os demais. A qualidade de Farnsworth é demonstrada na harmonia do grupo.

Em “Stable Mates”, Farnsworth puxa o ritmo para a entrada dos veteranos Benny Golson no sax tenor, Carter no baixo e Mabern no piano. Esse encontro de gerações rende ao álbum mais de sete minutos de contemplação: primeiro o destaque está em Golson, que indica a direção melódica, depois Mabern sola com seu balanço habitual, posteriormente Farnsworth coloca seu vigor no chimbal com a baqueta esquerda, enquanto o pedal trabalha no bumbo e a baqueta direita passeia pelas demais partes da bateria. A reentrada de Golson no final da canção não diminui a intensidade do baterista, que segue marcando o ritmo com a mesma precisão. No fim, a canção é dos dois.

“Five Spot After Dark” tem o seu tema marcante executado por Golson, que alterna com Fuller a condução da melodia. A passagem de solos de um para o outro dá dinamicidade à canção, que dispõe ainda de uma base sólida sustentada por Farnsworth, Carter e Mabern.

“And So, I Love Again” é uma balada com um tom melancólico, principalmente pelo modo como Golson consegue fazer o seu sax tenor soar introspectivo. Farnsworth faz uso das vassourinhas para marcar o ritmo, enquanto Mabern estabelece algum diálogo com o sax, que permanece o tempo todo em destaque.

“The Third Plane” tem uma levada bossa nova puxada pela seção rítmica e por Alexander, que é enriquecida pelo trompete de Rotondi, que tem liberdade para solar. O solo de Carter, conduzido por Farnsworth, agrega à canção ainda mais balanço, que é estendido por Hazeltine. O tema inicial retoma para encerrar a canção.

Uma versão hard bop de “Hello, Young Lovers” tem início com Farnsworth repercutindo o chimbal e Carter marcando o tempo para Fuller introduzir o trombone na canção e travar um diálogo com o sax tenor de John Farnsworth, irmão do baterista. O trompete de Rotondi é adicionado e estabelece ainda mais dinamismo à faixa por seu soar rápido de cada nota, John Farnsworth desacelera a melodia, embora a seção rítmica siga na corrida. Hazeltine ao solar mantém a melodia no mesmo ritmo. O solo preciso de bateria de Joe Farnsworth é perfeitamente incorporado por Carter, que volta a marcar o tempo inicial da canção, que novamente introduz o trombone de Fuller à melodia e consegue chegar o ciclo, levando a canção de volta ao ponto inicial.

O álbum encerra com “Jose’s Lament”, uma faixa em que Farnsworth e Carter fazem a condução e deixam Alexander e Hazeltine solar com liberdade. O resultado é uma canção despretensiosa que reúne músicos de primeira linha tocando um tema agradável de acompanhar.

Joe Farnsworth conseguiu reunir reunir velhos parceiros, para quem já havia gravado, em seu álbum e apostou em uma seleção musical que juntasse alguns temas novos e standards. O resultado foi o nascimento de um grande álbum com músicos de primeira grandeza.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Joe Farnsworth: bateria
Ron Carter: baixo
David Hazeltine: piano (2,3,7,8,9)
Harold Mabern: piano (1,4,5,6)
Eric Alexander: saxofone tenor (1,2,3,7,9)
Benny Golson: saxofone tenor (4,5,6)
Curtis Fuller: trombone (2,5,8)
Jim Rotondi: trompete, flugelhorn (3,7,8)
John Farnsworth: saxofone tenor (8)

Faixas de It’s Prime Time:
01. Sweet Poppa [Mabern] 5:46
02. Old Folks [Hill, Robison] 7:20
03. Prime Time [Farnsworth] 8:02
04. Stable Mates [Golson] 7:11
05. Five Spot After Dark [Golson] 5:50
06. And So, I Love Again [Golson] 4:20
07. The Third Plane [Carter] 5:37
08. Hello, Young Lovers [Hammerstein, Rodgers] 7:44
09. Jose's Lament [Hazeltine] 7:06

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domingo, 21 de setembro de 2008

Wycliffe Gordon quer saber: com o que você está lidando?

O trombonista Wycliffe Gordon tornou-se conhecido no universo do jazz ao ingressar no septeto de Wynton Marsalis e posteriormente no Lincoln Center Jazz Orchestra sob regência do mesmo. Sua carreira como líder deu início na metade da década de 1990, quando ao trazer o trombone – um instrumento comum no jazz do início do século XX, mas que foi perdendo lugar nos pequenos grupos – para a linha de frente da instrumentação jazzística, Gordon foi ganhando mais destaque como intérprete e compositor. Em 2001, através da gravadora Criss Cross, foi lançado o álbum What You Dealin’ With, que reúne standards e composições originais em um programa que junta swing, blues, bebop e hard bop com muita naturalidade.

O álbum inicia com a canção “In a Mellow Tone”, composição de Ellington e Gabler, o que já confere a garantia de swing logo de saída. Destaque para o dueto de trombone e sax tenor proporcionado por Wycliffe Gordon e Herb Harris, que dialogam o mote central da canção. O baixista Zach Pride e o baterista Rodney Green limitam-se ao papel de coadjuvantes sustentando o ritmo para a linha de frente, caracterizada pelos instrumentos de sopro, crescer em solos e duetos cheios de balanço.

O trombone com surdina de Gordon abre “I Remember Al” com uma melodia introspectiva soando como um lamento, que se transforma num blues lento. Pride e Green dão a sustentação para o trombone “chorar”, enquanto sax e trompete aparecem apenas para reforçar o que expressa o líder Gordon com seu instrumento. Uma ótima faixa que reserva diferentes impressões a cada nova ouvida.

“Blue 'n' Boogie” é vibrante tanto pelo ritmo acelerado quanto pela excelente linha de sopros que faz um grande trabalho junto. O trompete de Ryan Kisor é o primeiro a se liberar para solar e é logo acompanhado pelo sax tenor de Harris, que é sucedido pelo trombone de Gordon e por fim o sax soprano de Victor Goines. O final de solo brusco do soprano dá a oportunidade de Green descer as baquetas nos bumbos e pratos até que todos os músicos retomam o tema inicial da canção. É o bebop soando vivo no século XXI.

O scat singin’ de Gordon é a marca de “Cotton Tail”.Enquanto o baixo de Pride e a bateria de Green estabelecem um ritmo lento para a canção, Gordon se liberta na improvisação vocal, encontrando na parceria com o sax soprano de Goines um complementação para a sua criatividade.

O belo diálogo entre a linha de sopros e o baixo é a marca de “Stevie”, composição de Duke Ellington cheia de balanço que consegue combinar muito bem todos os elementos do sexteto. O diálogo inicia torna-se uma conferência muito interessante, da qual participam o sax tenor, o trombone e o trompete dando continuidade ao swing inicial, que incendeia quando Gordon faz a ponte que liga a composição de Ellington com “Mr. PC”, de John Coltrane. O que se ouve é Green e Pride trabalhando intensamente para conduzir o ritmo com dinamismo, enquanto os sopros levam a melodia com liberdade para solar, primeiro com o trompete de Kisor, depois com o sax tenor Harris e o trombone de Gordon. O encontro de todos para tocar o mesmo tema encerra um dos pontos altos do álbum.

“Pretty Little Girl” retoma o clima mais intimista nesta composição de Gordon. Sax tenor e trombone fazem o dueto que conduz a prazerosa melodia. A beleza da canção está no equilíbrio de forças entre os instrumentos, que são muito bem sustentados pelo destacado Pride no baixo.

A versão de “Mood Indigo” de Gordon começa com um solo de trombone, que introduz a estruturação de blues à canção que é seguida à risca pelo baixo de Pride, que é quem conduz o ritmo para que os instrumentos de sopro possam expressar os seus lamentos. Percebe-se que os músicos conseguiram capturar o espírito da canção nessa gravação e traduziram em notas toda a melancolia desse velho blues.

“Cherokee”, outro standard jazzístico presente no álbum, ganha destaque por sua interpretação vigorosa pela seção rítmica e pela execução enérgica da linha de frente de sopros. Os duetos de trombone e trompete, de sax tenor e sax soprano, e o final com a integração dos quatro sopros são os pontos altos desta gravação.

“Bone Abstractions” começa como um blues puxado pelo trombone de Gordon. Depois desse início era de se esperar que os demais instrumentos entrassem na canção, mas a surpresa está no fato de a melodia se estender como uma improvisação solo. Nessa faixa, o líder do grupo demonstra suas habilidades e mostra como swingar desacompanhado.

Com “What You Dealin’ With”, canção que dá nome ao CD, o álbum encerra com uma questão de Gordon em forma de jazz e hip-hop. Com o que você está lidando? Com um balanço contagiante, com uma linha de sopros que consegue dialogar com a batida repetitiva do hip-hop e com as levadas e quebradas do jazz. Fazendo as vezes de vocalista e trombonista nesta faixa, Gordon conseguiu construir um tema central com cara de big band para o seu quarteto de sopros, que parece se multiplicar. Nesta fusão de jazz com hip-hop, em que muitos bons compositores erraram a mão, Gordon conseguiu acertar no alvo certo.

Os fãs de jazz que se sentiam órfãos de um bom trombonista têm em Wycliffe Gordon um bom nome a seguir. Unindo composições próprias com canções consagradas, Gordon consegue fazer a ligação entre o passado e o presente do jazz.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Wycliffe Gordon: trombone, vocal
Ryan Kisor: trompete
Victor Goines: saxofone tenor, saxofone soprano
Herb Harris: saxofone tenor
Zach Pride: baixo
Rodney Green: bateria

Faixas de What You Dealin’ With:
01. In a Mellow Tone [Ellington, Gabler] 6:46
02. I Remember Al [Gordon] 4:18
03. Blue 'n' Boogie [Gillespie, Paparelli] 5:14
04. Cotton Tail [Ellington] 4:47
05. Stevie/Mr. P.C. [Ellington/Coltrane] 7:36
06. Pretty Little Girl [Gordon] 8:28
07. Mood Indigo [Bigard, Ellington, Mills] 7:49
08. Cherokee [Noble] 6:28
09. Bone Abstractions [Gordon] 4:01
10. What You Dealin' With [Gordon] 6:40

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

A vida noturna em Tóquio segundo Eric Alexander

Em 2003 a gravadora Milestone lançou o álbum Nightlife in Tokyo do saxofonista tenor Eric Alexander. Inicialmente conhecido por ter conquistado o segundo lugar na competição de sax do Thelonious Monk Institute em 1991, atrás apenas de Joshua Redman, Alexander se firma hoje como uma importante figura do jazz atual. Sem ser um vanguardista, seu estilo consegue aliar classe e força em um hard bop de primeira qualidade. Nightlife in Tokyo, gravado em estúdio, apesar do título poder indicar um registro ao vivo, é essencial para quem quer ir além dos grandes titãs que construíram a imagem – e o som – do jazz.

Os belos fraseados do sax tenor Eric Alexander na faixa de abertura, “Nemesis”, são marcas de qualidade na canção, que conta com uma seção rítmica muito bem entrosada composta pelo lendário baixista Ron Carter, pelo baterista Joe Farnsworth e pelo também lendário pianista Harold Mabern. Esse trio dá todo o suporte para Alexander mostrar o porquê de ser um músico tão aclamado por público e crítica atualmente. Seu hard bop que remete a boas lembranças de saxofonistas do passado (um quê de Dexter Gordon), tem energia própria e consegue a difícil missão de juntar muito vigor com lirismo. Essa canção nasceu com vocação para se tornar um standard do século XXI.

A interpretação de um standard jazzístico como “I Can Dream, Can't I?” reitera o lado lírico e melodioso de Alexander. O belo entrosamento do quarteto mais uma vez se sobressai. Destaque para o belo diálogo entre o baixo de Carter que sola com o acompanhamento do piano de Mabern para depois inverter a posição, quando Carter faz a base para o solo de Mabern. Alexander fica responsável por fazer a ligação entre as duas pontas da melodia ao retomar o tema central ao término da canção.

“Nightlife in Tokyo”, a faixa que dá nome ao álbum, mostra dinamismo através da condução mais acelerada de Farnsworth e Carter, enquanto Alexander tem liberdade para solar. O piano de Mabern que vinha servindo de apoio passa ao primeiro plano para retomar o fraseado principal e propor outros em uma execução de muita competência. Um dos méritos do saxofonista é conseguir “grudar” o tema principal da canção na cabeça do ouvinte, pois esse motivo é sempre retomado durante a canção entre os solos.

“I'll Be Around”, balada composta por Alec Wilder, ganha uma bela interpretação pelo quarteto. Definitivamente, essa é uma faixa gravada para o líder brilhar, pois Carter e Farnsworth conduzem o ritmo, Mabern acompanha com um característico espaçamento, enquanto Alexander assume a frente na melodia por boa parte da canção, cedendo esse espaço por pouco tempo para o piano.

A peculiaridade de “Cold Smoke” é que ela inicia com um motivo que parece encerrar a canção, como se o ouvinte chegasse com o trabalho já em andamento. Então, a canção revive puxada por Farnsworth, que logo é acompanhado por Mabern e Carter, que sustentam a base para o solado de Alexander. O piano também recebe um belo destaque com a classe de Mabern em seu solo. O que se tem no geral é um belo exemplo de hard bop bem executado, que alia impetuosidade e técnica. A canção flui tão naturalmente que parece uma jam session, na qual cada músico soa tão espontâneo, que esse material parece ter surgido no momento da gravação.

“Island” é uma boa canção apesar de sua simplicidade. O ritmo inicial com sua levada de fácil acompanhamento propicia o desenvolvimento do solo limpo e swingado de Mabern e do solo de Alexander, que alterna fraseados curtos e longos com vários espaçamentos.

Composta por Eric Alexander em homenagem ao baixista Ron Carter, o quarteto interpreta “Big R. C.” com uma levada ótima cheia de balanço e uma cara de década de 1950. O ritmo post-bop envolvente propiciado por Farnsworth e Carter em diálogo com o piano de Mabern é o destaque da canção, que conta ainda com um solo refinado e melodioso de Alexander, que remete àquela ternura por vezes só encontrada em Dexter Gordon ou Lester Young. Com certeza é um dos pontos altos do álbum.

A canção que encerra o álbum, “Lock Up and Bow Out”, retoma o frenesi encontrado em outros momentos do CD, e, assim como “Cold Smoke”, parece uma jam session fruto de criação espontânea. A liberdade dos músicos do quarteto está declarada e eles estão dispostos a improvisar sem perder a coesão.

Eric Alexander é um grande saxofonista tenor mais propício ao hard bop que conta com um refinado senso de melodia. Ele sabe até onde levar o som de seu sax sem incorrer em exageros, que o fariam mais parecer como um imitador de grandes instrumentistas do passado; no entanto, ele consegue ter voz própria. Acompanhado por ótimos músicos, Alexander mostra seu valor em Nightlife in Tokyo não apenas como saxofonista, mas também como compositor, pois seu trabalho é consistente e de grande qualidade. Esse álbum é obrigatório para quem quer ficar interado com o que de melhor ocorre no jazz do século XXI.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Eric Alexander: saxofone tenor
Harold Mabern: piano
Ron Carter: baixo
Joe Farnsworth: bateria

Faixas de Nightlife in Tokyo:
01. Nemesis [Alexander] 8:00
02. I Can Dream, Can't I? [Fain, Kahal] 7:59
03. Nightlife in Tokyo [Mabern] 6:36
04. I'll Be Around [Wilder] 7:59
05. Cold Smoke [Alexander] 8:25
06. Island [Alexander] 7:40
07. Big R.C. [Alexander] 6:17
08. Lock Up and Bow Out [Alexander] 5:32

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domingo, 7 de setembro de 2008

Bojan Z apresenta a sua Xenophonia

O pianista e agora xenofonista franco-sérvio Bojan Z, também conhecido como Bojan Zulfikarpašić, lançou em 2006 o álbum Xenophonia pela gravadora Label Bleu, que se aproxima muito de ser uma obra-prima, se é que efetivamente não é. Deixemos o tempo decidir. Esse CD marca a estréia de mais um instrumento ao jazz: o xenofone, uma invenção do próprio Bojan Z que modificou um Fender Rhodes e conseguiu extrair dele um som diferente do que se imagina para um instrumento de teclas. Mais detalhes na resenha abaixo. Não deixe de ouvir esse álbum e surpreenda-se com um trio (às vezes quarteto) espetacular.

Bojan Z se apresenta em São Paulo, no SESC Pinheiros (Teatro Paulo Autran), no próximo dia 12 de setembro às 21 horas. Maiores informações no site do SESC.

O som extraído dos bumbos pelo baterista Ben Perowsky em “Ulaz”, a melodia esparsa do kaval (um tipo de flauta usada por pastores sérvios) de Krassen Lutzkanov e o dedilhado mínimo do baixista Remi Vignolo criam uma atmosfera folk à canção, que serve de contraponto ao piano cheio de lacunas de Bojan Z em uma canção com cara de total experiência musical. Cada músico parece seguir um caminho diferente até a demarcação de um ponto de reencontro. A melodia densa se deve à execução lenta e ao som grave e destacado do baixo que será confrontado com o som estridente do xenofone ao final da canção. Aguarde, pois essa é apenas a primeira amostra da invenção de Bojan Z.


“Zeven” é uma canção com uma melodia muito bonita e bem executada por Bojan Z ao piano, enquanto o baterista Ari Hoenig e o preciso baixista Vignolo levam a seção rítmica com muito vigor. O encaixe do trio é perfeito. Ao ouvir essa canção fica evidente que todos os instrumentos são destacados em um hard bop de muita qualidade.

O que se houve logo no início de “Wheels” é o referido xenofone, uma invenção de Bojan Z, que modificou um Fender Rhodes e o fez soar como uma guitarra com bastante distorção. A base rítmica de blues de Hoenig e Vignolo entra muito bem na canção e dá uma sustentação sólida ao xenofone em um fusion incapaz de deixá-lo indiferente. Mesmo quando troca o xenofone pelo Rhodes, a canção mantém sua base pesada e sua linha experimental. Com certeza essa é uma grande canção que o fará amar o lado inventivo e ousado de Bojan Z ou fará odiá-lo por não seguir a estrutura jazzística tradicional. Coloquem seus ouvidos nessa prova.


“Biggus D” mostra o lado versátil de Bojan Z alternando piano e Rhodes e por vezes tocando ambos ao mesmo tempo. A canção é marcada por uma melodia que se desenvolve, mas de repente é quebrada e o que se tem é um hard bop que chega ao free jazz e decide voltar em uma retomada à melodia central.

A composição de David Bowie, “Ashes to Ashes”, tem em sua base pop um tema bem simples que nãoliberdade a Hoenig para improvisar, mas ao menos consegue fazer com que Bojan Z consiga executar bons solos ao piano e xenofone.


“Pendant Ce Temps, Chez le Général...” é um free jazz queoportunidade a todos os músicos, cada um a seu tempo, desenvolver um tema, enquanto os demais dão a sustentação rítmica e melódica para as improvisações. O que se tem nesta canção é uma colagem de sons que não encontra uma trilha a seguir, porém mesmo em caminhos diferentes, as notas acabam se encontrando. Experimentação musical total.

“Xenox Bluesusa o recurso de voz sampleada de Alan Lomax, originalmente gravada paraNegro Prison Blues & Songs”, além do xenofone, que soa bastante diferente do som de guitarra tradicional do blues, mas que combinado ao baixo de Vignolo e à bateria de Perowsky dá um toque diferente ao estilo, apesar de a melodia não soar diferente do que se espera de um blues.


As belas notas de piano que iniciam “The Mohican and the Great Spirit”, composição de Horace Silver para o álbum Silver ‘n Percussion de 1977, dão ao ouvinte a certeza de uma melodia muito bonita. Os acréscimos de Vignolo e Hoenig trazem mais qualidade à canção, enquanto Bojan Z oferece muita sutileza em um tema de grande qualidade. A suavidade que o pianista consegue colocar na melodia demonstra não apenas o seu talento e a sua habilidade, mas a sensibilidade necessária para transformar notas musicais em arte. Silver deve ter ficado orgulhoso deste trabalho.

“CD-Rom” é caótica! O kaval de Lutzkanov, o baixo de Vignolo, a bateria de Perowsky e o piano de Bojan Z têm pressa. Ritmo e melodia rápidos dão o sentido exato do que o compositor quis dizer com o título dessa faixa, na qual a velocidade é constante como é a tecnologia. Não sei se “CD-Rom” foi gravada a 512mbps, 1Gbps ou 2 Gbps, mas todos os instrumentos se encaixam perfeitamente e o resultado é um hard bop ousado de tirar o fôlego.


O álbum encerra com “Izlas”, uma canção que contrapõe Hoenig e Bojan Z, pois a bateria adota um caminho, enquanto o piano segue outra direção. Para segurar os dois, está Vignolo fazendo o papel de contra-peso nessa balança.

O álbum Xenophonia é empolgante e impressiona pela simbiose que Bojan Z, Vignolo e ora Hoenig, ora Perowsky conseguem criar. Vencedor do prêmio “Les Victoires du Jazz 2007” como melhor CD francês do ano, essa obra tem um valor musical muito grande. Como compositor e instrumentista, Bojan Z se mostra como um artista de grande talento, ousadia e importância para o jazz do século XXI. Esse CD é muito bom, não deixem de ouvi-lo.


Todos os músicos que participaram do álbum:

Bojan Z: piano, Fender Rhodes, xenofone

Remi Vignolo: baixo acústico

Ari Hoenig: bateria (2, 3, 4, 8, 10)

Ben Perowsky: bateria (1, 5, 6, 7, 9)

Krassen Lutzkanov: kaval (1, 9)


Faixas de Xenophonia:

01. Ulaz [Bojan Z] 7:21

02. Zeven [Bojan Z] 5:55

03. Wheels [Bojan Z, R.M.Tocak] 9:06

04. Biggus D [Bojan Z] 7:20

05. Ashes to Ashes [David Bowie] 4:50

06. Pendant Ce Temps, Chez le Général... [Bojan Z, Remi Vignolo, Ben Perowsky] 4:25

07. Xenox Blues [Bojan Z] 7:13

08. The Mohican and the Great Spirit [Horace Silver] 6:21

09. CD-Rom [Bojan Z] 5:01

10. Izlas [Bojan Z, Ari Hoenig] 2:35


Ouça algumas faixas deste e de outros álbuns no My Space.

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Veja o vídeo de Bojan Z tocando “Ashes to Ashes”: