quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O tempo presente de James Carter

Lançado em 2008 pela gravadora Emarcy, o álbum Present Tense é obra do multi-instrumentista James Carter, responsável por tocar os saxofones soprano, tenor e barítono, além de flauta e clarinete baixo. Assim como procura diferentes sonoridades nos instrumentos que toca, Carter explora diferentes facetas do jazz, tais como o cool, o hard bop, a bossa e outros. O jazz do século XXI tem em Carter uma figura de destaque e um artista de alto nível.

O álbum inicia com “Rapid Shave”, um hard bop com mudanças de andamento que principia com um ritmo acelerado puxado pelo baterista Victor Lewis e pelo baixista James Genus. O trompetista Dwight Adams injeta bastante energia à melodia e é também quem determina o motivo da canção. O pianista D.D. Jackson dá seguimento e mantém o ritmo acelerado, enquanto prepara o caminho para o sax barítono de James Carter, que primeiramente diminui a velocidade da canção para depois ingressar em uma nova aceleração tendo a seção rítmica como parceira nesse intento. O solo de baixo de Genus desacelera a canção mais uma vez, mas não por muito tempo, pois Lewis prenuncia o encerramento com todos os instrumentos tocando com muita energia.

Em “Bro. Dolphy”, composição de Carter em homenagem a Eric Dolphy, temos uma canção com dois momentos distintos após uma breve introdução. Primeiro ouve-se um cool jazz com belos solos de clarinete baixo de Carter, que por vezes ganha o acompanhamento do trompete de Adams, além de um dedilhado elegante de Jackson ao piano. Depois, a partir de uma ruptura marcada nos pratos da bateria de Lewis, a canção se transforma em um avant-garde com direito a improvisações livres que abruptamente dão fim à faixa.

O sax soprano de Carter em “Pour Que Ma Vie Demeure”, composição de Django Reinhardt, dá um clima romântico à canção, enquanto o baixo de Genus e a bateria de Lewis perpetuam um ar nostálgico.

“Sussa Nita” tem um ritmo bem balanceado que é desenvolvido por meio do baixo de Genus, da bateria de Lewis, da guitarra de Rodney Jones e da percussão de Eli Fountain. Com esse fundo, Carter pode solar com liberdade em seu sax tenor. O resultado é uma canção com ritmo cadenciado com direito a bons solos de guitarra, sax e piano.

“Song of Delilah” tem uma longa introdução, na qual o sax soprano de Carter toca uma melodia com clara influência oriental. Depois disso, a canção se assenta em um ritmo constante e bem marcado que possibilita um belo dueto entre o sax tenor de Carter e o trompete de Adams.

Em “Dodo’s Bounce”, a seção rítmica com a bateria de Lewis, o baixo de Genus e a guitarra de Jones trabalha para que a flauta de Carter e o trompete de Adams possam desenvolver o tema recorrente da melodia. Nesse ínterim ainda há espaço para os solos de bateria e guitarra, que se integram aos sopros.

“Shadowy Sands” é uma agradável canção que embala o ouvinte com seu ritmo lento e constante, que é acrescido em malemolência e qualidade pela percussão de Fountain. Carter encontra o caminho perfeito para solar docemente com seu clarinete baixo em uma execução sem surpresas e linear, que é seguida pelo trompete de Adams. O dueto final entre os sopros é muito bonito por explorar muito bem a diferença entre os timbres dos instrumentos nos mesmos fraseado.
O ritmo acelera bastante em “Hymn of the Orient”, canção cuja execução de Lewis, Genus e Jackson proporciona duetos e solos cheios de vivacidade por parte do trompete de Adams e do sax barítono de Carter.

Como o título não faz questão alguma de esconder, “Bossa J.C.” é uma canção ao estilo jazzy bossa nova composta por Carter. A guitarra de Jones e a percussão de Fountain dão ao trio Lewis, Genus e Jackson o tom ideal para soar similar a Jobim, a clara influência para o compositor. Os solos de sax tenor de Carter e de trompete de Adams são um tanto conservadores e permanecem recorrentes ao tema da melodia.

O trompete com surdina e o sax barítono dão um lindo contraste ao dueto inicial de “Tenderly”, a canção que encerra o álbum. O clima cool jazz é imperativo nesta faixa, na qual a seção rítmica limita-se a fazer o acompanhamento para que Carter e Adams definam os rumos da melodia.

Tocando cinco instrumentos em Present Tense, James Carter concebeu um ótimo álbum que transita por diferentes estilos do jazz. Ao longo de sua carreira, Carter lançou vários CDs, um diferente do outro, até esse que retoma, de certo modo, a sonoridade que o fez figurar como uma das maiores promessas do jazz no início da década de 1990. Sua habilidade e destreza como multi-instrumentista faz de James Carter uma importante figura para a música atual e uma realidade que abrilhanta o jazz do século XXI.

Todos os músicos que participaram do álbum:
James Carter: sax soprano, sax tenor, sax barítono, flauta e clarinete baixo;
Dwight Adams: trompete e flugelhorn;
D.D. Jackson: piano;
James Genus: baixo;
Victor Lewis: bateria;
Rodney Jones: guitarra (4, 6 e 9);
Eli Fountain: congas e percussão (4, 7 e 9).

Faixas de Present Tense:
01. Rapid Shave [Burns] 7:31
02. Bro. Dolphy [Carter] 7:15
03. Pour Que Ma Vie Demeure [Reinhardt] 5:08
04. Sussa Nita [Carter] 6:05
05. Song of Delilah [Evans, Livingston, Young] 5:12
06. Dodo's Bounce [Marmarosa] 6:05
07. Shadowy Sands [Jones] 8:31
08. Hymn of the Orient [Gryce] 4:26
09. Bossa J.C. [Carter] 4:45
10. Tenderly [Gross, Lawrence] 8:18

Ouça um pouco do álbum no site Last.fm.

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Veja este vídeo com a música “Pour Que Ma Vie Demeure”:

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

One For All quer saber o que está acontecendo

Lançado em 2007 pela gravadora japonesa Venus, o álbum What’s Going On? do grupo One For All reúne seis grandes instrumentistas do jazz atual, tendo no saxofonista Eric Alexander a figura de maior destaque. Jim Rotondi e Steve Davis, trompete e trombone, respectivamente completam a linha de frente dos instrumentos de sopro, enquanto David Hazeltine, Joe Farnsworth e John Webber formam a seção rítmica. Desenvolvido de maneira paralela às carreiras dos seis músicos, o grupo encontrou neste álbum uma maneira de se expressar jazzisticamente através de composições da soul e da black music. O resultado é um CD de muita qualidade de transita pelo swing e pelo hard bop.

A faixa de abertura, “What’s Going On?”, que também dá nome ao álbum, começa em ritmo forte e acelerado capitaneado pelo baixo de John Webber, pela bateria de Joe Farnsworth e pelo piano de David Hazeltine. A inclusão do trompete de Jim Rotondi, do sax tenor de Eric Alexander e do trombone de Steve Davis dá bastante balanço à canção. Apesar de ser um sexteto, o grupo quase soa como uma big band, pois os três instrumentos de sopro tocam muito bem alinhado permitindo ao solista uma forte sustentação sonora que ainda tem o apoio de uma seção rítmica exemplar.

“How Sweet It Is (To Be Loved By You)” é uma canção cheia de swing. De início o solo de sax tenor de Alexander sustentado por Davis e Hazeltine dá a direção musical, que é seguida no solo de trombone de Davis e prossegue, posteriormente, no solo de trompete de Rotondi. Hazeltine que vinha fazendo o acompanhamento assume a condução melódica até os sopros, encabeçados por Alexander, retomarem a frente em execuções cheias de balanço. Estruturalmente a canção é simples, mas seu swing é envolvente. O difícil é não se deixar levar pelo ritmo e pela melodia.

O ritmo acelerado puxado pela bateria de Farnsworth e pelo baixo de Webber em “Let’s Stay Together” dá a direção aos demais instrumentos. Alexander sola com bastante liberdade nessa faixa, bem como Rotondi que toca suas notas com bastante rapidez. Nesta versão hard bop, todo o grupo mostra muita coesão, mas o destaque maior ainda é para o saxofonista responsável pelo motivo da canção.

“Reasons” tem um quê de bossa, principalmente em função do ritmo malemolente produzido por Farnsworth e Webber. A batida constante é a sustentação para o desenvolvimento dos solos de Alexander, Rotondi, Davis e Hazeltine. Quando todos os instrumentos estão tocando juntos, novamente cabe ao saxofonista a condução da melodia. O sexteto consegue encontrar a medida perfeita entre a bossa e a balada para realizar uma canção com um swing muito agradável. Apenas siga no embalo.

“Golden Lady” explora muito bem os recursos do sexteto, uma vez que os instrumentos de sopro progridem em conjunto e trocam os papéis de condutor da melodia e de acompanhamento com bastante desenvoltura. Ao assumir a frente melódica com seu piano, Hazeltine dá início à sessão de solos, que prossegue com o trompete de Rotondi e o sax tenor de Alexander. Quando todos voltam a tocar juntos o que se tem é uma deliciosa jam session cheia de balanço, que mesmo com o atravessamento de Davis no final não é afetada.

A marcação rítmica do baixo de Webber e da bateria de Farnsworth em “For the Love of You” dão ao piano de Hazeltine o espaço para trilhar uma linha melódica cheia de swing, que é enriquecida pelos sopros. Mais uma vez o destaque é a integração do grupo, no qual cada solista tem a certeza de que a melodia terá um seguimento coerente, enquanto a seção rítmica dá a sustentação ao trabalho do sexteto, principalmente pela precisão e competência de Farnsworth.

“Stop! In the Name of Love” tem um cadenciamento mais pop com clara influência da black music, que dá ao trompete de Rotondi e ao trombone de Davis o destaque maior. Claramente a melodia cresce quando há a participação dos dois músicos citados, porque ambos são responsáveis pelo refrão em uma canção naqual a marcação estrofe e refrão é bem evidente. Embora não tenha sido composta como um jazz, a versão do One For All funciona e empolga.

“Moon Blue” tem um tema principal conduzido pelo trio Rotondi, Alexander e Davis, que intercalado pelos solos ora swingado de Alexander, ora enérgico de Rotondi, ora cheio de balanço de Davis, ora acelerado de Hazeltine, sempre volta para estabelecer os elos entre as diferentes partes da canção. Ao fundo Farnsworth e Webber estão a estabelecer a medida exata de onde cada solista pode ir. Com essa seção rítmica, certamente, eles podem ir em segurança.

A nona e última canção do álbum, “Betcha By Golly, Wow”, tem uma levada característica da Swing Era e dá oportunidade a todos os músicos para desenvolver as suas sonoridades em solos ou duetos. A melodia simples é de fácil acompanhamento pelo ouvinte e, talvez, esse seja um de seus trunfos.

A coesão entre os músicos do One For All é a principal razão para o grupo soar tão bem. Ainda que a fama maior recaia no saxofonista Eric Alexander, que é com razão um dos principais nomes do sax tenor atual, Joe Farnsworth e Jim Rotondi também são a alma desse sexteto. Ainda assim, como não valorizar o excelente trabalho de David Hazeltine, John Webber e Steve Davis? Ao reunir tantos nomes importante do jazz do século XXI, o One For All é uma seleção de ótimos instrumentistas, que levam em paralelo bem-sucedidas carreiras como líderes e sidemen. What’s Going On? é altamente recomendável para quem deseja ouvir músicos de primeira qualidade em um trabalho com cara de reunião de amigos.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Eric Alexander: saxofone tenor
Jim Rotondi: trompete
Steve Davis: trombone
David Hazeltine: piano
John Webber: baixo
Joe Farnsworth: bateria

Faixas de What’s Going On?:
01. What's Going On? [Benson, Cleveland, Gaye] 6:50
02. How Sweet It Is (To Be Loved by You) [Dozier, Holland] 5:23
03. Let's Stay Together [Green] 8:06
04. Reasons [Bailey, White] 6:53
05. Golden Lady [Wonder] 5:51
06. For the Love of You [Isley] 6:24
07. Stop! In the Name of Love [Dozier, Holland] 5:31
08. Moon Blue [Wonder] 4:59
09. Betcha by Golly, Wow [Bell, Creed] 7:42

Ouça um pouco do álbum no site da gravadora Venus.

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sábado, 3 de janeiro de 2009

As pequenas coisas de Ben Allison correm o mundo

Lançado em janeiro de 2008 pela gravadora Palmetto, o álbum Litte Things Run the World do baixista Ben Allison é mais um ponto positivo na bem-sucedida carreira deste músico vanguardista. Cada solo escrito por Allison para os instrumentos de sopro ou cordas neste álbum não é óbvio, o que garante um grande destaque ao trompetista Ron Horton que é responsável por algumas das melhores passagens nas oito canções do CD. Sem Horton, Little Things Run the World perderia muito do seu brilho.

“Respiration”, a primeira faixa do álbum, traz um belo trabalho de entrosamento entre o baixo de Ben Allison, a guitarra de Steve Cardenas e a bateria de Michael Sarin, pois conseguem ditar a direção rítmica da canção e conferem uma sonoridade com um quê de espanhola à canção, enquanto o trompete de Ron Horton sola entre fraseados curtos até que as seis cordas de Cardenas assumam a frente da melodia. Destaque para o dueto final de trompete e guitarra.


Em “Little Things Run the World”, canção que dá nome ao álbum, Allison e Sarin tomam total controle do ritmo e do balanço, o que permite liberdade para os solos de Horton e Cardenas, que ainda ganham a companhia de Michael Blake no saxofone tenor. Nesse momento, a canção atinge um ápice no melhor estilo hard bop, no qual todos os instrumentos conseguem juntos construir uma unidade muito forte.

A sonoridade latina que abre “Four Folk Songs” prenuncia uma composição peculiar, cuja primeira parte privilegia a percussão e o trompete. Em seguida, é a guitarra quem conduz uma melodia suave, enquanto o trompete ensaia algo como um mantra, que se desfaz em um balanço agradável que nasce a partir de um crescendo do baixo, da bateria e do próprio trompete. Nesse momento é a guitarra que passa a conduzir a melodia até iniciar um novo dueto com o trompete, que termina intensa e bruscamente. As várias mudanças de andamento dessa canção são seus principais atrativos, dando a Allison um importante destaque como compositor e a Horton como intérprete.

Allison, Sarin e Cardenas dão a “Language of Love” uma deliciosa cadência de quem vai chegando aos poucos ao melhor estilo cool. Horton adiciona o seu trompete ao grupo e mntém o clima já desenvolvido. A sequência é uma deliciosa balada com um ar de mistério e ótimos solos de baixo e trompete. Interpreto os fraseados finais da guitarra de Cardenas e do trompete de Allison como os gracejos e galanteios dos amantes ao se conhecerem.

“Roll Credits” é uma ótima canção centrada parte nos olos suaves e expansivos de Horton no trompete, parte nos solos viajantes de Cardenas. A sustentação, porém, está no bom entrosamento do baixo de Allison e da bateria de Sarin que dão um gostoso balanço à canção. Alguém mais notará semelhança de alguns acordes com o standard “Speak Low” nesta faixa?

“Blowback” explora o contraste entre o ritmo forte e bem marcado pelo baixo de Allison e a bateria de Sarin com a melodia suave e viajante construída nos solos de guitarra de Cardenas, no trompete de Horton e no saxofone soprano de Blake. O resultado é um som que segue em progressão incorporando cada instrumento em uma unidade harmônica, na qual fica muito claro todo o processo de criação (início), a soma dos elementos constituídos pela seção rítmica e pela base melódica em um arranjo uniforme (meio) e a fragmentação que muda o andamento da canção e prepara o seu fim.

A versão com grande influência blueseira de “Jealous Guy”, composta por John Lennon, explora muito bem o dueto entre o baixo de Allison e o trompete de Horton. É curioso que nesta faixa do álbum, que não é de autoria de Allison, ele tenha mais liberdade para solar.

Na última faixa do álbum, “Man Size Safe”, o baixo de Allison destaca-se ao marcar quase hipnoticamente o ritmo, do início ao fim da canção, usando a mesma base. Enquanto isso, cada um a seu turno, os instrumentos responsáveis por conduzir a melodia travam empolgantes duetos com o baixo. Após os duetos de Allison e Horton, Allison e Cardenas, e Allison e Blake, ainda há lugar para o solo de Sarin, que religa o fim com o início da canção.

Com este álbum, Ben Allison prova mais uma vez porque é um músico de destaque na atual cena jazzística de Nova York, afinal suas composições são empolgantes, fogem da obviedade e acrescentam um importante valor artístico ao jazz do século XXI.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Ben Allison: baixo, violão;
Ron Horton: trompete, flugelhorn;
Steve Cardenas: guitarra;
Michael Sarin: bateria;
Michael Blake: saxofone tenor (2, 8), saxofone soprano (6).

Faixas de Little Things Run the World:
01. Respiration [Allison] 5:55
02. Little Things Run the World [Allison] 5:35
03. Four Folk Songs [Allison] 5:42
04. Language of Love [Cardenas] 8:22
05. Roll Credits [Allison] 6:09
06. Blowback [Allison] 7: 13
07. Jealous Guy [Lennon] 7:20
08. Man Size Safe [Allison] 7:00

Ouça um pouco do álbum no site Lastfm.com.

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Veja o vídeo de Ben Allison tocando “Respiration”:




Veja o vídeo de Ben Allison tocando “Four Folk Songs”:




Veja o vídeo de Ben Allison tocando “Language of Love”: