domingo, 31 de agosto de 2008

A residência artística de Jason Moran

As composições de Artist in Residence, lançado em 2006 pela gravadora Blue Note, são trabalhos produzidos pelo pianista Jason Moran para três institutos de arte: o Walker Art Center em Minneapolis, o Dia Art Foundation e o Jazz at Lincoln Center. Extremamente criativo e com um olhar voltado para as inovações, Moran sempre soa diferente do Moran de seus álbuns anteriores. Neste especificamente, o pianista e compositor leva o jazz ao encontro do hip-hop, do canto lírico e do barulho urbano, provocando desde estranhamento até deleite. Constituindo-se em uma importante figura para o jazz do século XXI, Moran mostra em Artist in Residence que o jazz pode ir pelos caminhos que a criatividade o conduzirem.

O álbum inicia a partir de uma fusão de jazz com hip-hop chamada “Break Down”, que traz palavras de protesto e samples de Adrian Piper, em um ritmo marcado e constante, com a contribuição do baterista Nasheet Waits, enquanto o pianista Jason Moran leva a melodia por um caminho mais criativo em parceria com o baixista Tarus Mateen. É inegável que essa mistura não está no ponto certo, pois ao ouvinte parece que duas canções diferentes estão tocando juntas, como se você quisesse ouvir rap e alguém ligasse um aparelho que tocasse um jazz post-bop ao mesmo tempo... ou vice-versa. Enfim, a canção causa estranheza de início, o que é uma ousadia de Moran abrir o álbum com ela, mas momentos de brilho surgem ao dedilhar do piano.

“Milestone” é outra canção que faz uso de outro recurso não comum ao jazz: o canto lírico. O soprano Alicia Hall Moran, esposa de Jason, faz o contraponto entre a musicalidade das ruas mostrada na faixa anterior e a das salas de concerto. Através dos recursos de Moran ao piano e – muito – do guitarrista Marvin Sewell, além da base rítmica de Waits e Mateen, a canção consegue seguir sua direção muito bem marcada pelas notas do pianista.


“Refraction 2” vai adicionando os elementos aos poucos, primeiro o baixo, depois o piano, bateria e guitarra, em uma canção que vai se construindo sobre uma base rítmica constante e uma liberdade de improvisação de Moran, que logo é seguido por Sewell, que por sua vez toma outra direção, bem como Waits, enquanto Mateen fica sendo o responsável por manter o que foi erguido no início. Um belo trabalho, no qual pode-se apreciar um quarteto dando muito de si (e para si) sem seguir um só caminho. O ouvinte pode escolher por qual seguir ou tentar acompanhar todos se uma vez – se conseguir! Uma boa canção para se ouvir muitas vezes e aprender todas as rotas.

O piano solo de Moran em “Cradle Song” encontra sons sobrepostos, que por vezes parecem passos ou ranhuras em uma superfície. O fato é que a bela melodia é introspectiva e não sofre variações em sua estrutura e que Moran segue inventivo em sua intenção de misturar jazz com qualquer outra coisa, nem que seja apenas barulho! Exatamente como ele faz nessa canção.

“Artists Ought To Be Writing” é a primeira oração do discurso que inicia essa canção, que trata do papel do artista na sociedade. À medida que a voz sampleada de Adrian Piper vai perdendo intensidade, o piano de Moran cresce em uma intrincada e rica melodia. Ao sobrepor o instrumento ao discurso, o compositor indica que o artista ganha sua força com a obra em si, que o recurso do debate artístico é importante, porém esse não existiria sem os criadores e seus produtos.


“Refraction 1” é outra peça experimental de Moran, que toca uma melodia bem marcada em seu tema central, enquanto Joan Jonas faz uso de percussão, sinos, shakers e outros objetos/instrumentos para obter um efeito semelhante ao barulho urbano e ao ruído das ruas. A sonoridade de Moran parece sempre atravessada pelo barulho que não pode ser contido, pela falta de sossego das cidades grandes, onde o som de um piano parece atrapalhar a rotina do ir e vir de milhares de pessoas, onde as notas musicais parecem agredir a balbúrdia.


“Arizona Landscape” é um belo solo de Moran ao piano, que sustenta o ritmo com uma mão e expande a melodia com a outra. Uma agradável canção, que faz o ouvinte nem sentir falta de um baixo e de uma bateria, pois sozinho o pianista consegue preencher todos os espaços.

A mais longa canção do álbum, “Rain”, traz os recursos percussivos (djembe, kora) de Abdou Mboup, associados ao dedilhar do violão de Sewell, enquanto o trompetista Ralph Alessi conduz uma melodia com tons melancólicos, que ao ganhar dinamismo e velocidade, muda completamente o rumo musical. A bateria de Waits, o baixo de Mateen e o piano de Moran puxam um post-bop vigoroso e empolgante que atinge o ápice de todo o álbum.


“Lift Ev'ry Voice and Sing” apresenta uma agradável confluência de todos os instrumentos através de uma canção que adiciona um pouco mais de balanço e tem na guitarra de Sewell um destaque, pois o instrumento parece simular as vozes que se erguem e cantam, conforme sugere o título da faixa.


A décima e última faixa do álbum é “He Puts on His Coat and Leaves”, na qual Moran, novamente solo ao piano, executa com muita precisão um tema introspectivo com ares de despedida e muita beleza artística. São quase cinco minutos que passam tão rápido, mas que deixam a vontade de ouvir um pouco mais dessa adorável melodia, mas como nos indica o título, já é hora de vestir o casaco e partir.


Definitivamente Artist in Residence é um álbum que exige bastante familiaridade do ouvinte com jazz, pois Jason Moran não apenas compôs canções para preencher uma gravação, mas fez questão de experimentar novos rumos para o jazz em uma tentativa de expandir suas fronteiras até um ponto em que se questione se o que é tocado realmente é jazz. E é jazz o tempo todo, mas não apenas jazz, pois é jazz e algo mais. A mente criativa de Moran é responsável por um álbum de grande valor artístico, ainda que possa não ser totalmente apreciado inicialmente, pois exige um pouco mais do ouvinte.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Jason Moran: piano;
Marvin Sewell: guitarra (1, 2, 3, 8, 9);
Tarus Mateen: baixo (1, 2, 3, 8, 9);
Nasheet Waits: bateria (1, 2, 3, 8, 9);
Alicia Hall Moran: vocais (2);
Adrian Piper: voz sampleada (1, 5);
Joan Jonas: percussão, efeitos sonoros, sinos, claves, shaker (6);
Abdou Mboup: djembe, kora, talking drum (8);
Ralph Alessi: trompete (8).

Faixas de Artist in Residence:
01. Break Down [Moran] 3:17
02. Milestone [Moran] 3:34
03. Refraction 2 [Moran] 3:52
04. Cradle Song [VanWeber] 4:27
05. Artists Ought to Be Writing [Moran] 3:49
06. Refraction 1 [Moran] 6:16
07. Arizona Landscape [Moran] 3:07
08. Rain [Moran] 11:53
09. Lift Ev'ry Voice and Sing [Johnson, Johnson] 4:53
10. He Puts on His Coat and Leaves [Moran] 4:52

Ouça um pouco de Artist in Residence no site da gravadora Blue Note.

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