segunda-feira, 30 de março de 2009

Brad Mehldau Trio Live

Gravado entre 11 e 15 de outubro de 2006 no clube Village Vanguard em Nova York, e lançado em 2008 pela gravadora Nonesuch, Live do pianista Brad Mehldau é um álbum duplo que transita entre composições do rock dos anos 1990, canções populares, standards do jazz e obras do próprio líder do trio. Muito versátil, Mehldau já trabalhou com importantes nomes do jazz como Pat Metheny, Charlie Haden, Lee Konitz, Wayne Shorter; devido ao seu estilo mais intimista e por sua preferência pelo trio de jazz foi comparado a seu influenciador Bill Evans; também já fez parceria com o soprano Renée Fleming e consegue articular um bom diálogo entre o rock n’ roll e o jazz sem transformar isso em fusion. Neste álbum, o pianista demonstra sua qualidade em um repertório que apresenta surpresas e agrada o ouvinte ao mesclar lirismo e intensidade ao longo dos dois CDs que compõe Live.

O primeiro CD tem início com uma breve introdução, na qual o pianista Brad Mehldau apresenta o baixista Larry Grenadier e o baterista Jeff Ballard. Na sequência, o trio começa a tocar “Wonderwall” de Noel Gallagher do grupo de rock inglês Oasis. De início o grupo é bem fiel à composição original, uma vez que Mehldau conduz a melodia por meio dos fraseados curtos que tornaram a canção popular, enquanto Ballard e Granadier determinam o ritmo. Porém, como esta é uma versão jazzística, logo Mehldau se deixa levar pela improvisação e os fraseados antes curtos transformam-se em estruturas longas e mais complexas com contagiante balanço que a essa altura tem a seção rítmica mais solta e tocando com a mesma intensidade. Quando o piano retoma o tema que serve de refrão, o baixo e a bateria permanecem com o ritmo swingado que dá muito mais riqueza à canção. O resultado final é uma transformação positiva e empolgante.

Em “Ruby’s Rub” o trio brinca com o ritmo da canção acelerando e desacelerando o andamento. Mehldau ao piano dita o tema melódico e a partir dele cria variações que se tornam mais e mais rápidas, enquanto é apoiado pelos enérgicos e precisos Grenadier no baixo e Ballard na bateria. A canção conta com um longo e vigoroso solo de piano que contagia o ouvinte que tenta acompanhar cada nota tocada com muita rapidez. Uma pena que essa boa harmonia se perca ao se aproximar o final da canção e os músicos seguem rumos diferentes.

O concerto prossegue com uma versão para “O Que Será” de Chico Buarque, cuja melodia, inicialmente, é seguida fielmente por Mehldau ao piano. Pois é justamente na improvisação do pianista que a canção vai ganhando mais vida, enquanto Grenadier e Ballard dão seguimento ao ritmo inicial e, posteriormente, também vão criando um novo sentido para a base que dá a sustentação a Mehldau. Este, aliás, mostra ser um grande improvisador ao conduzir a melodia por caminhos bem diferentes dos propostos inicialmente, mudar completamente o andamento da canção e ir aos poucos inserindo as notas que formam o tema principal até que o trio retome o ponto de partida e dê por encerrada a canção.

“B-Flat Waltz” é uma canção que em um primeiro momento se sustenta em uma melodia agradável de acompanhar, resultante do bom trabalho de Mehldau ao piano que em dado instante parece tocar para si ao estabelecer uma melodia com muitas facetas, uma vez que o pianista consegue transitar de uma passagem mais “dançante” para outra bastante introspectiva e complexa. O resultado é entusiasmante.

Dando prosseguimento ao seu diálogo com o rock, o trio executa “Black Hole Sun” composta por Chris Cornell e originalmente gravada pelo grupo Soundgarden. Nesta versão com mais de 23 minutos, o maior destaque inicial fica com o baixista Grenadier, que é o responsável por manter o ritmo lento e bem marcado conforme a composição original. Mehldau ao piano se encarrega de executar o tema principal que também é base para o refrão, enquanto Ballard na bateria acompanha e divide a atenção com o pianista tanto nas passagens lentas quanto nas partes de maior intensidade da canção. Entre várias mudanças de andamento, o resultado é uma bem sucedida transposição do rock para o jazz, algo que nem sempre é alcançado.

Em “The Very Thought of You”, Mehldau tem espaço para demonstrar todo o seu lirismo com o trio executando uma balada intimista. Nesta faixa a referência ao estilo pessoal de Bill Evans torna-se muito evidente, o que justifica algumas comparações que vem sendo feitas ao longo dos anos. Com uma técnica muito boa e uma interpretação brilhante, Mehldau realiza um grande trabalho nesta composição de Ray Noble, na qual a performance do pianista sugere ao longo da canção passagens contidas e repletas de sentimento até outras de calor mais intenso e apaixonado. Uma curiosidade: reparem que logo aos 39 segundos alguém deixa cair um objeto de metal no palco e isso causa um ruído indesejado na gravação.

O segundo CD do álbum inicia com “Buddha Realm”, um dos melhores momentos da apresentação. Com um ritmo cheio de balanço e bem marcado pelo baixo de Grenadier e pela bateria de Ballard, o pianista pode desenvolver o seu tema com um swing especial. Alternando graves e agudos em seu instrumento, Mehldau consegue um ótimo equilíbrio entre seguir o ritmo com a mão esquerda e desenvolver uma melodia cativante com a mão direita. Os solos de Mehldau acompanhados pela precisão de Ballard e por uma bem trabalhada base de Grenadier dão muita vivacidade à canção e triunfam ao mesclar jazz tradicional com a linguagem moderna.

“Fit Cat” se desenvolve sobre um tema introduzido por Mehldau ao piano e que é recorrente durante toda a canção, uma vez que os solos nascem daí. As improvisações do pianista são substancialmente os pontos altos até então. A partir da metade em diante, a mudança de andamento dada pelo trio à canção lhe confere uma cadência mais swingada em comparação ao que é inicialmente desenvolvido. A tônica da canção passa a ser a ótima integração e harmonia do trio, no qual cada integrante preenche o som em uma perfeita comunhão, o que resulta um agradável trabalho de equipe, tal como na velha citação literária: um por todos e todos por um.

A melodia suave e intimista de “Secret Beach” construída inteiramente no piano de Mehldau é a marca da canção. O trabalho da seção rítmica com Grenadier e Ballard é servir de apoio para que o pianista possa explorar a sua criatividade em um tema que começa tímido, mas que vai conquistando o ouvinte com cada nota bem colocada. A bela melodia desenvolvida por Mehldau é de tal modo envolvente, que vai em um crescendo tão sutil que cativa e ganha o seu público.

“C.T.A.”, composta por Jimmy Heath, tem no ótimo trabalho do baixista Grenadier um dos seus destaques, uma vez que seu solo é o mais empolgante da canção. Esbanjando qualidade, o trio consegue unir velocidade e técnica mantendo o balanço em um hard bop de muita categoria.

O standard “More Than You Know” traz a atenção novamente para o piano de Mehldau, que conduz uma melodia sentimental que dialoga muito bem com o baixo de Grenadier, uma vez que um preenche muito bem o espaço deixado pelo outro na execução da canção. Em seu solo, literalmente, afinal Mehldau não encontra o acompanhamento dos demais músicos, o pianista consegue preencher todos os espaços e definir um andamento romântico que dá muita sutileza e beleza à melodia.

O concerto e o álbum são encerrados com a canção “Countdown”, uma composição de John Coltrane, na qual cabe a Mehldau desenvolver uma intrincada melodia ao melhor estilo hard bop em alta velocidade, enquanto Ballard parece fazer sua bateria galopar e Grenadier acompanha tudo cobrindo as lacunas. O resultado final é muito bom, porque demonstra a habilidade de Mehldau em transpor os fraseados que se alternavam entre curtos e alongados no saxofone de Coltrane para o piano, gerando muito dinamismo e intensidade à canção.

Ousado ao reunir canções não comuns ao mundo do jazz em um álbum duplo, Brad Mehldau proporciona uma integração muito interessante entre linguagens diferentes como o jazz e o rock n’ roll. Em suas composições próprias, Mehldau mostra com mais desenvoltura a sua habilidade e consegue atingir os pontos mais altos neste álbum, ainda que suas versões para canções de outros compositores rendam momentos para uma audição de primeira qualidade. Necessária na coleção de qualquer jazzófilo interessado na música do século XXI, a obra de Mehldau está bem representada em Live.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Brad Mehldau: piano;
Larry Grenadier: baixo;
Jeff Ballard: bateria.

Faixas de Live:
CD 1
01. Introduction [0:14]
02. Wonderwall [Gallagher] 8:44
03. Ruby's Rub [Mehldau] 13:07
04. O Que Será [Buarque] 10:37
05. B-Flat Waltz [Mehldau] 9:10
06. Black Hole Sun [Cornell] 23:30
07. The Very Thought of You [Noble] 13:03

CD 2
01. Buddha Realm [Mehldau] 11:59
02. Fit Cat [Mehldau] 10:40
03. Secret Beach [Mehldau] 11:35
04. C.T.A. [Heath] 16:16
05. More Than You Know [Eliscu, Rose, Youmans] 12:08
06. Countdown [Coltrane] 14:56

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Um comentário:

Sueli Maia (Mai) disse...

Indiscutível!

O álbum "Highway Rider" é igualmente imperdível.

Muito bom tê-lo encontrado.

Grande abraço