
O primeiro CD tem início com uma breve introdução, na qual o pianista Brad Mehldau apresenta o baixista Larry Grenadier e o baterista Jeff Ballard. Na sequência, o trio começa a tocar “Wonderwall” de Noel Gallagher do grupo de rock inglês Oasis. De início o grupo é bem fiel à composição original, uma vez que Mehldau conduz a melodia por meio dos fraseados curtos que tornaram a canção popular, enquanto Ballard e Granadier determinam o ritmo. Porém, como esta é uma versão jazzística, logo Mehldau se deixa levar pela improvisação e os fraseados antes curtos transformam-se em estruturas longas e mais complexas com contagiante balanço que a essa altura tem a seção rítmica mais solta e tocando com a mesma intensidade. Quando o piano retoma o tema que serve de refrão, o baixo e a bateria permanecem com o ritmo swingado que dá muito mais riqueza à canção. O resultado final é uma transformação positiva e empolgante.

O concerto prossegue com uma versão para “O Que Será” de Chico Buarque, cuja melodia, inicialmente, é seguida fielmente por Mehldau ao piano. Pois é justamente na improvisação do pianista que a canção vai ganhando mais vida, enquanto Grenadier e Ballard dão seguimento ao ritmo inicial e, posteriormente, também vão criando um novo sentido para a base que dá a sustentação a Mehldau. Este, aliás, mostra ser um grande improvisador ao conduzir a melodia por caminhos bem diferentes dos propostos inicialmente, mudar completamente o andamento da canção e ir aos poucos inserindo as notas que formam o tema principal até que o trio retome o ponto de partida e dê por encerrada a canção.
“B-Flat Waltz” é uma canção que em um primeiro momento se sustenta em uma melodia agradável de acompanhar, resultante do bom trabalho de Mehldau ao piano que em dado instante parece tocar para si ao estabelecer uma melodia com muitas facetas, uma vez que o pianista consegue transitar de uma passagem mais “dançante” para outra bastante introspectiva e complexa. O resultado é entusiasmante.

Em “The Very Thought of You”, Mehldau tem espaço para demonstrar todo o seu lirismo com o trio executando uma balada intimista. Nesta faixa a referência ao estilo pessoal de Bill Evans torna-se muito evidente, o que justifica algumas comparações que vem sendo feitas ao longo dos anos. Com uma técnica muito boa e uma interpretação brilhante, Mehldau realiza um grande trabalho nesta composição de Ray Noble, na qual a performance do pianista sugere ao longo da canção passagens contidas e repletas de sentimento até outras de calor mais intenso e apaixonado. Uma curiosidade: reparem que logo aos 39 segundos alguém deixa cair um objeto de metal no palco e isso causa um ruído indesejado na gravação.

“Fit Cat” se desenvolve sobre um tema introduzido por Mehldau ao piano e que é recorrente durante toda a canção, uma vez que os solos nascem daí. As improvisações do pianista são substancialmente os pontos altos até então. A partir da metade em diante, a mudança de andamento dada pelo trio à canção lhe confere uma cadência mais swingada em comparação ao que é inicialmente desenvolvido. A tônica da canção passa a ser a ótima integração e harmonia do trio, no qual cada integrante preenche o som em uma perfeita comunhão, o que resulta um agradável trabalho de equipe, tal como na velha citação literária: um por todos e todos por um.
A melodia suave e intimista de “Secret Beach” construída inteiramente no piano de Mehldau é a marca da canção. O trabalho da seção rítmica com Grenadier e Ballard é servir de apoio para que o pianista possa explorar a sua criatividade em um tema que começa tímido, mas que vai conquistando o ouvinte com cada nota bem colocada. A bela melodia desenvolvida por Mehldau é de tal modo envolvente, que vai em um crescendo tão sutil que cativa e ganha o seu público.

O standard “More Than You Know” traz a atenção novamente para o piano de Mehldau, que conduz uma melodia sentimental que dialoga muito bem com o baixo de Grenadier, uma vez que um preenche muito bem o espaço deixado pelo outro na execução da canção. Em seu solo, literalmente, afinal Mehldau não encontra o acompanhamento dos demais músicos, o pianista consegue preencher todos os espaços e definir um andamento romântico que dá muita sutileza e beleza à melodia.
O concerto e o álbum são encerrados com a canção “Countdown”, uma composição de John Coltrane, na qual cabe a Mehldau desenvolver uma intrincada melodia ao melhor estilo hard bop em alta velocidade, enquanto Ballard parece fazer sua bateria galopar e Grenadier acompanha tudo cobrindo as lacunas. O resultado final é muito bom, porque demonstra a habilidade de Mehldau em transpor os fraseados que se alternavam entre curtos e alongados no saxofone de Coltrane para o piano, gerando muito dinamismo e intensidade à canção.
Ousado ao reunir canções não comuns ao mundo do jazz em um álbum duplo, Brad Mehldau proporciona uma integração muito interessante entre linguagens diferentes como o jazz e o rock n’ roll. Em suas composições próprias, Mehldau mostra com mais desenvoltura a sua habilidade e consegue atingir os pontos mais altos neste álbum, ainda que suas versões para canções de outros compositores rendam momentos para uma audição de primeira qualidade. Necessária na coleção de qualquer jazzófilo interessado na música do século XXI, a obra de Mehldau está bem representada em Live.
Todos os músicos que participaram do álbum:
Brad Mehldau: piano;
Larry Grenadier: baixo;
Jeff Ballard: bateria.
Faixas de Live:
CD 1
01. Introduction [0:14]
02. Wonderwall [Gallagher] 8:44
03. Ruby's Rub [Mehldau] 13:07
04. O Que Será [Buarque] 10:37
05. B-Flat Waltz [Mehldau] 9:10
06. Black Hole Sun [Cornell] 23:30
07. The Very Thought of You [Noble] 13:03
CD 2
01. Buddha Realm [Mehldau] 11:59
02. Fit Cat [Mehldau] 10:40
03. Secret Beach [Mehldau] 11:35
04. C.T.A. [Heath] 16:16
05. More Than You Know [Eliscu, Rose, Youmans] 12:08
06. Countdown [Coltrane] 14:56
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Um comentário:
Indiscutível!
O álbum "Highway Rider" é igualmente imperdível.
Muito bom tê-lo encontrado.
Grande abraço
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