domingo, 15 de fevereiro de 2009

A estranha libertação de Dave Douglas

Lançado em 2004 pela gravadora Bluebird/RCA, Strange Liberation do trompetista Dave Douglas traz, além dos músicos habituais de seu quinteto, o guitarrista Bill Frisell como convidado. A adição deste é de grande importância para a qualidade do álbum, uma vez que muitas passagens foram pensadas para a guitarra como protagonista e não meramente como um incremento para acompanhar os sopros ou o Fender Rhodes. Por sua diversidade entre as vertentes do jazz, qualquer pessoa interessada em conhecer mais a sonoridade desenvolvida no século XXI deve ouvir o trabalho de Douglas e este álbum é uma boa dica para começar (ou continuar).

A primeira faixa do álbum é “A Single Sky”, uma canção curta com pouco mais de 2 minutos, que introduz o ouvinte à sonoridade do sexteto. Aí estão pontos altos que serão muito bem explorados em todo o álbum, como o baixo bem marcado de James Genus, os duetos bem arranjados entre o trompete de Dave Douglas e o sax tenor de Chris Potter, a guitarra de Bill Frisell surgindo como alternativa aos sopros. Apesar de curta, essa canção é repleta de possibilidades de audição, primeiro porque não desenvolve nenhum solo, depois deixa a vontade de querer ouvir mais, o que é subitamente cortado por um decrescendo que vai marcando a saída de Douglas, do Fender Rhodes de Uri Caine até deixar a última nota para as cordas de Frisell.

“Strange Liberation”, por sua vez, tem como destaque inicial o fraseado quase estridente do trompete de Douglas, enquanto a seção rítmica desenvolve um funky jazz cheio de balanço. O dueto entre Douglas e o sax tenor de Potter estabelece uma comunicação cheia de swing, responsável pelo estabelecimento do tema motriz da canção, que é igualmente recriada a seguir no dueto entre a guitarra de Frisell e o baixo de Genus, enquanto Clarence Penn e Caine acompanham tudo na bateria e no Fender Rhodes, respectivamente. Em determinado momento, o Rhodes de Caine deixa o papel de coadjuvante e passa a ser protagonista junto com Douglas e Frisell, sem que o tema principal da canção seja esquecido.

“Skeeter-ism” tem uma sonoridade nostálgica e sentimental, cujos duetos são os pontos de maior destaque. De início Douglas com seu trompete e Potter com seu clarinete baixo definem a direção melódica, enquanto o baixo de Genus e a bateria de Penn dão ritmo à canção. A guitarra de Frisell e o Fender Rhodes de Caine dão seguimento à sessão de ótimos duetos dessa faixa. Certamente esse é um dos pontos altos do álbum, pois essa é uma canção deliciosa de ouvir.

“Just Say This” tem no trompete de Douglas e na guitarra de Frisell as bases de seu som lento e introspectivo. A partir do acompanhamento de Caine, Genus e Penn, os solos de Douglas podem alcançar alturas ainda não buscadas antes e são esses agudos que servem como um belo contraponto ao sax tenor de Potter, que soa como se quisesse dizer belas palavras de amor. Em seguida, Frisell parece tomar conta do mesmo discurso para dar seguimento ao que vinha sendo desenvolvido pelos instrumentos de sopro. Ao tocarem juntos ao final da canção, podemos ter a certeza de quem eles conseguiram dizer – sem uma palavra – o que a composição trazia em seu título.

“Seventeen” é uma canção impetuosa com uma forte razão de ser no bebop. O baixo de Genus é marcado com intensidade e a bateria de Penn dá o ritmo por vezes quase frenético à canção, que se desenrola em solos enérgicos de sax tenor por Potter, de Fender Rhodes por Caine e, claro, de trompete por Douglas.

O diálogo minimalista entre a guitarra de Frisell e o Fender Rhodes de Caine serve como uma introdução ao tema melódico que é desenvolvido em “Mountains from the Train”. Enquanto esses instrumentos mais o baixo e a bateria dão o direcionamento intimista que a canção deve seguir, os sopros contribuem com o que vinha sendo construindo, apenas adicionando mais certeza nos rumos dessa experimentação musical.

“Rock of Billy” é centrada na guitarra de Frisell, que dá início à melodia, que tem prosseguimento com o Fender Rhodes de Caine e o trompete de Douglas. Apesar do título de muitos sentidos e dos primeiros acordes que podem enganar, o que se ouve é um hard bop de ótima qualidade com direito a bons solos como o de sax tenor de Potter e ao ótimo dueto de sopros com as seis cordas de acompanhamento.

O sax tenor de Potter e a guitarra de Frisell tocando em uníssono dão o mote a “The Frisell Dream”, uma canção com sólidas bases alicerçadas no marcante baixo de Genus e na bateria de Penn, cujo ritmo sustenta a melodia suave e ao mesmo tempo cheia de balanço que é conduzida ora pelo trompete de Douglas, ora pela guitarra de Frisell, ora pelo sax de Potter, enquanto os três não se juntam em harmonia para encerrar a canção.

“Passing Through”, com pouco mais de um minuto e meio, parece parte de uma canção descolada de seu contexto. Soa como um recorte desprendido de um princípio, no qual o trompete de Douglas sola pesadamente, enquanto tem o acompanhamento do baixo de Genus e da bateria de Penn que o ajudam a compor a atmosfera introspectiva.

O trompete com surdina de Douglas funciona como um chamado para os demais integrantes do grupo em “The Jones”. Estabelecendo um agradável ritmo com seu baixo, Genus proporciona, em conjunto com a bateria de Penn e o Fender Rhodes de Caine, um ambiente que permite o desenvolvimento de duetos muito bem articulados entre trompete e sax tenor, bem como o solo empolgante de teclado.

“Catalyst” encerra o álbum com uma forte referência ao fusion, uma vez que o baixo elétrico de Genus, a guitarra de Frisell e o Fender Rhodes de Caine se juntam à bateria de Penn para reviver as bases da sonoridade jazzística dos anos 1970. Com esse fundo, o que temos são solos livres e energizantes de sax tenor por parte de Potter e de trompete por Douglas.

Strange Liberation é um álbum multifacetado que percorre as muitas vertentes do jazz para criar a sua identidade. Além do talento de Dave Douglas como compositor e intérprete, que já recebeu o elogio (e ao mesmo tempo a pesada responsabilidade) de ser o trompetista que mais soa como Miles Davis atualmente, este disco tem um importante acréscimo ao contar com o músico convidado Bill Frisell, um dos principais guitarristas vivos do jazz, além do ótimo baixista James Genus que deixou sua participação marcada com louvor nas onze faixas desse álbum. Douglas é um nome que faz a diferença no jazz do século XXI, e o seu trabalho ajuda a definir rumos para a sonoridade do gênero.

Todos os músicos que participaram do álbum:
Dave Douglas: trompete;
Bill Frisell: guitarra;
Chris Potter: saxofone tenor, clarinete baixo;
Uri Caine: Fender Rhodes;
James Genus: baixo acústico e elétrico;
Clarence Penn: bateria, percussão.

Faixas de Strange Liberation:
01. A Single Sky [Douglas] 2:05
02. Strange Liberation [Douglas] 8:05
03. Skeeter-Ism [Douglas] 6:00
04. Just Say This [Douglas] 6:33
05. Seventeen [Douglas] 8:40
06. Mountains from the Train [Douglas] 5:15
07. Rock of Billy [Douglas] 5:57
08. The Frisell Dream [Douglas] 3:56
09. Passing Through [Douglas] 1:36
10. The Jones [Douglas] 4:28
11. Catalyst [Douglas] 5:08

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